segunda-feira, 23 de maio de 2016

Crônica das Garotas



Ambas estavam na rua, não por um momento ou uma noite, estavam permanentes e concomitantes nas ruas, elas se amavam e fugiram, viviam esse amor insano que muitos de nós já vivemos e viveremos. Não apenas por serem adolescentes, sentiam essa chama, esse carinho, esse cuidado e companheirismo; é de se deduzir que fugiram porque a família não aceitou. Pensamento equivocado mesmo que plausível, na verdade suas famílias não se importavam tanto, ao menos foi assim que me disseram.
Uma delas nasceu bastarda, até hoje não sabe quem é seu pai, seu padrasto vivia bêbado, ela se lembrava de seu hálito forte e azedo de cachaça, não só o hálito, ele todo parecia emanar um odor horrível pelos poros, mesclava-se ao cheiro de cigarro barato nas mãos e nas roupas, também na boca, o pau seboso. Sim, ele batia na mãe e violentava a enteada, ela nunca teve coragem pra contar, engolia sempre em seco. A mãe não sabia, ou fingia não saber, pois em tudo, sujeitava-se a ele, teve mais dois filhos dele e os tratava bem melhor que a filha bastarda e indesejada.
A outra também teve seus infortúnios, seu pai assaltou uma farmácia, na fuga trocou tiros com a polícia e acabou levando uma bala no peito, tive o ímpeto de perguntar se ele havia morrido, mas contive-me, descobri que sua mãe estava viciada em crack, dava pra qualquer um por “dez contos”, às vezes cinco. Acabou por ser internada e a garota passou para guarda da avó paterna, que sempre a culpava pela morte do filho assaltante, afinal se ele não tivesse engravidado aquela “casqueira da sua mãe”, como ela dizia, “não precisaria ter assaltado pra comprar leite pra você”, em seguida desferia inúmeros insultos ornamentados com palavrões, para a polícia, a mãe da garota, e qualquer um que tentasse defendê-la, como fazia por vezes seu avô.
Elas se conheceram num sarau, havia uma galera tocando violão, bebendo vodka e vinho, elas embriagaram-se e beijaram-se, dormiram juntas na casa da que morava com a avó, que por sorte não chegou a descobrir que é lésbica, acreditava que eram melhores amigas e nada mais, eram isso também, mas muito mais.
Ela não aguentava mais ver a mãe apanhando, era pior que ser violentada, a própria mãe a proibira de chamar a polícia. A outra não aguentava mais ouvir os xingos e acusações da avó, aprenderam fazer malabarismo com um pessoal que aparecia nos saraus, que ocorriam cada vez com mais frequência, decidiram então ir pra rua e viver assim.

Por Carlos Eduardo Taveira dos Santos