terça-feira, 25 de novembro de 2014

Sentinela

Sentinela,
sem ter nela
sua tutela.
Sente dela
ser tão bela,
si tal cela
só tem ela.

Carlos Eduardo Taveira.



sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Trechos de Diálogos: No boteco.

   O homem é um animal carente; não se precipite aos equívocos sentimentalistas, ainda que o seja certo, o homem necessita da presença de um semelhante; não nos limitaremos ao ambiente familiar do habitat de sua casa. O homem não é um macho que ataca outros machos para lhes tomar o território ou acasalar com suas fêmeas, ao menos, não sempre; o homem se socializa ao seu semelhante, após as parcerias para caçar mamutes e durante a continuidade da história, o homem aprendeu a criar laços de amizade.
   A evolução levou o homem a construir locais nas suas cidades, onde podiam socializar uns com os outros e desenvolver tais laços; foi assim que surgiram as tavernas, hoje chamadas de bar, boteco, botequim; num desses, não muito diferente e nem muito mais evoluído que nenhum outro, um suposto boêmio solitário mirava o fundo do copo vazio que tinha em mãos, como já dissemos que o lugar é de socialização, não caberia ficar assim calado e tristonho, via-se que era recém chegado de outras bandas, como não conhecia ninguém, dirigiu a palavra ao taberneiro:
   "Seu moço, me vê aí mais uma dose dessa sua cachaça, que hoje eu tô meio aperreado."

   "E o senhor tem dinheiro pra pagar? Já pediu uma, duas, três, e dinheiro que é bom, eu não vi ainda não, já vou logo lhe avisando que não vendo fiado."
   "Sirva logo a dose pro rapaz", a voz foi o anúncio de um velho que se aproximava ao balcão, "não ta ouvindo ele dizer que está aperreado? Quando um homem está no fundo do poço, a única saída, as vezes, é o fundo do copo."
   "Mas, pra chegar no fundo do copo", rebateu o taberneiro, "precisa ter dinheiro pra pagar."
   "O senhor pensa que pinga é ouro? Por acaso ta vendo algum doutor aqui nessa birosca? Sirva logo o homem e pode deixar que eu pago."

   "Carece não", disse o forasteiro, "meu dinheiro é pouco sim, mas dá pra pagar minhas cachaça", pareceu ofendido, mas tinha o semblante determinado, "eu vim pra essa terra com uma mão na frente e outra atrás, e desde que cheguei aqui já fiz tudo quanto foi serviço, trabalhei de servente de pedreiro, aprendi a ser jardineiro, mas depois de ser gari, hoje em dia eu tô por aí, faço um bico aqui, faço outro ali."
   "Então já tem o meu conceito", concluiu o velho com satisfação, "eu sabia que o rapaz era bom sujeito, mesmo antes de ver seus calos nas mãos".
   O taberneiro serviu outra dose pro rapaz, e pôs mais uma para o velho que havia feito um sinal com o dedo.
   "Diga meu rapaz", disse o velho, " o que está te deixando aflito?"
   "É justamente essa vida de cão, a dificuldade de comprar todo dia o pão; sabe senhor? Eu não pude estudar, tinha que carpir a lavoura desde criança, ajudar na plantação. Hoje eu tenho um filho pequeno, mas não quero essa vida pra ele não, eu me viro como posso, pra melhorar minha situação."
   "Nessa vida a gente tem que se virar mesmo com o que tem, mas sem nunca desistir de ver a beleza, a gente busca no copo um alívio e uma certa clareza", o velho discursou demonstrando seu vasto conhecimento empírico, "o homem tem de trabalhar e aproveitar tudo que tem, se lhe derem limões, encontre uma cachaça, faça uma caipirinha sem açúcar, pra rasgar a garganta e melhorar a voz,
em seguida cante e deixe se levar pelo ritmo, bata palmas para acompanhar a música e depois dance, dance com tamanha liberdade, que nesse momento já não serão mais necessárias as palmas, dance com as mãos livres a buscar o espaço vazio, e em meio a tamanha beleza de canto e movimento, seu corpo vai suar, eliminar tudo que é ruim e emanar uma energia tão boa, que aquele que o visse em tal estado, poderia afirmar que o viu sob a presença de um deus."
   Dito isso, o velho virou a dose na garganta e bateu o copo com força no balcão, como quem bate o martelo no decreto de uma sentença.